Carlos Borges
Carlos Borges
Irmãos, é preciso coragem…
Na minha opinião, o diagnóstico cabível a quem deixa seu país para iniciar uma nova vida em outro país, certamente vai detectar certa dose de loucura, espírito aventureiro e muita coragem. Na grande maioria das vezes o imigrante, como eu, nem pára prá pensar no coeficiente de coragem que ele teve e segue tendo que superar essa monumental transição. Eternamente inacabada.
São raros os imigrantes que, de fato, se integram de forma ao novo país que a antiga terra natal passa a ser uma referência puramente nostálgica, quando muito. As pesquisas estão, há décadas, mostrando que a ligação do ser humano com a terra onde nasce é inequivocamente umbilical. Neste caso, as exceções só servem mesmo para confirmar a regra.
Quando decidi mudar do Brasil para os Estados Unidos, eu e minha então esposa tínhamos uma idéia mais romântica do que prática, sobre como seria essa “nova vida”. Éramos, e somos até hoje (não mais casados, mas muito amigos e próximos um do outro), pessoas que se acreditavam sem medo e dispostos a desbravar possibilidades.
Profissionalmente, eu havia chegado a um ponto na carreira em que precisava “implodir” a acomodação e buscar novos desafios. Esta foi, de fato, a minha motivação. A pressão de amigos, parentes e na empresa foi muito grande. Achávamos que, tendo a situação que tínhamos na Bahia, era absoluta loucura deixar aquilo para se aventurar nos Estados Unidos. Até porque, o que tínhamos como “seguro” era um trabalho específico e sob contrato que duraria um ano…
Os primeiros 5 anos como imigrante, entre Tampa Bay e Miami, foram de grande aprendizado no qual uma filosofia nos ajudou imensamente: não brigar consigo mesmo em nenhuma hipótese e lembrar, a cada dificuldade no processo de adaptação, que estávamos aqui por livre e espontânea escolha.
“A rotina dos imigrantes é de desafio contínuo”
Mesmo quando enfrentamos situações limite, doença grave, escassez de oportunidades profissionais ou o longo processo de obtenção da residência permanente, em nenhum momento tivemos dúvida de que, embora adoremos o Brasil, era aqui que queríamos viver. Isso ajudou muito…
O nascimento de nossa filha, Amanda, quando estávamos aqui há 3 anos, foi um “turning point”. Não que houvessem dúvidas de que queríamos viver definitivamente aqui, mas a chegada de um filho muda radicalmente a perspectiva de qualquer pai ou mãe. A prioridade passa ser completamente o filho, sua vida, suas perspectivas e todo um conjunto de coisas atreladas ao lugar onde se vive. O país onde se quer que eles, nossos filhos, cresçam.
Sim, é possível se apoiar na filosofia para seguir em frente num processo que muitas vezes parece uma interminável corrida de obstáculos: idioma, leis, comportamento, cultura, distância de seres amados, valores éticos, e o escambau (como se diz na minha terra).
Um aspecto que me parece importantíssimo: entender o mais profundamente que se possa, a natureza do povo e do lugar que escolhemos para viver. Nem sempre é fácil para nós brasileiros, que herdamos um legado dos mais desanimadores e complicados quando se trata de civilidade, respeito às leis, etc…; exercitar a humildade e fazer da dificuldade uma plataforma de possibilidades.
Me orgulho imensamente do que conquistamos nesses 30 anos “de América”, como se diz no jargão americanóide. E sempre me pergunto como estaria hoje, na Bahia, um profissional de 64 anos, que nos Estados Unidos vive a plenitude de seu trabalho, atividade intelectual e criativa.
Os Estados Unidos são, ao mesmo tempo, uma nação complexa e desafiadora em todos os aspectos possíveis e imagináveis. Para uma ampla maioria de imigrantes brasileiros, o enfrentamento cultural é bizarro. Por isso são muitos os segmentos da comunidade brasileira que, em alguma medida, se “guetizam” para encontrar na comida, nos shows, no futebol ou no bate papo sobre as novelas e a política, o território comum, a zona de conforto e o próprio lenitivo para, horas depois, fazer a reimersão na “vida paralela”, a vida de imigrante.
O desafio do brasileiro imigrante é esse: fazer, quase todo dia, dos limões uma limonada. E fazer disso um ritual, um ato de contrição em respeito a suas escolhas.
